A nomeação de animais, anjos, Adão e Eva
Na representação do Jardim do Éden acima, Jan Brueghel, magistralmente enche o primeiro plano da cena com a abundância, felicidade e com a beleza da vida recém-criada.
A partir daí, porém, ele habilmente atrai nossos olhos para as duas figuras minúsculas no fundo, assustadoramente alcançando o fruto da árvore do conhecimento.
No entanto, não podemos esquecer que antes daquele evento em que Adão e Eva receberam um conhecimento crucial como consequência de sua transgressão, um teste importante foi dado a Adão ao ser exigido que ele passasse por um teste de nomeação.
Embora a história da nomeação dos animais esteja escrita na Bíblia como uma prova do domínio de Adão e como um prelúdio motivador para a criação de Eva, há indícios em versões do evento de que o relato pode não ser tão direto quanto parece, com base em um texto que discute uma série de nomes sagrados dados a Moisés representando importantes cruzamentos em sua jornada mortal e ascensão celestial.
Este artigo descreve uma interpretação Islâmica alternativa do evento que entende o empenho de Adão, não em nomear os animais, mas em demonstrar seu conhecimento de nomes secretos para os anjos.
Animais ou anjos?
Moisés 3:19 narra a história bem conhecida de como Adão deu nomes a todos os animais:
“E da terra, eu, o Senhor Deus, formei toda besta do campo e toda ave do ar; e ordenei-lhes que fossem até Adão para ver como ele as chamaria; e elas também eram almas viventes; porque eu, o Senhor Deus, soprei nelas o fôlego da vida e ordenei que o nome que Adão desse a cada criatura vivente, tal seria o seu nome.”
Curiosamente, a história nos escritos judaicos do que aconteceu depois, difere significativamente de outras fontes antigas.
Enquanto algumas linhas da tradição judaica, consistentes com a essência do relato bíblico, registram que os animais subsequentemente se curvaram a Adão, outros relatos judeus, cristãos e islâmicos insistem que foram os anjos que prestaram homenagem a ele.
Embora seja impossível reconstruir como e por que essas duas versões da história diferem, tem sido argumentado que algumas passagens bíblicas relacionadas com anjos eram controversas e sujeitas a adulteração por escribas judeus durante o segundo período do templo.
Nós também sabemos, a partir do Livro do Apocalipse, sobre a associação entre animais e anjos, que adoram juntos no trono de Deus no céu.
Não parece impossível que em alguns contextos “bestas” foram interpretadas como “anjos” por leitores familiarizados com tais imagens.
Com estas considerações em mente, consideraremos uma tradição paralela de fontes islâmicas que aparece no lugar do episódio da nomeação dos animais.
Antes da Queda e depois de ter sido dada a instrução de Deus, é dito nestas fontes, que Adão foi direcionado a recitar uma série de nomes secretos aos anjos, a fim de provar que era digno do status de sacerdote e rei que havia sido conferido a ele.
Qual era a natureza do teste?
Parece especificamente com um teste de conhecimento. Ida Zilio-Grandi comenta que:
“Enquanto na Bíblia Deus permite que Adão escolha os nomes das coisas, no Alcorão é Deus que ensina — quem revela, portanto—os nomes a Adão. … Um valor extremamente elevado é atribuído ao conhecimento. … Na verdade, não é pela obediência que a capacidade de representar Deus na governança do mundo é medida, mas pelo conhecimento.”
Qual era a natureza dos nomes envolvidos?
Existem várias opiniões diferentes sobre a natureza dos nomes envolvidos. Com respeito a suposta conquista pré-mortal de Adão, comentaristas do Alcorão “disputam quais nomes em particular foram envolvidos; várias teorias [tomando a posição de que] foram os nomes de todas as coisas, animadas e inanimadas, os nomes dos anjos, os nomes de seus próprios descendentes, ou os nomes de Deus.”
Mahmoud Ayoub escreve da mesma forma sobre a diversidade de opiniões sobre o assunto:
“Muita discordância surgiu entre os comentaristas sobre as palavras que Adão recebeu de seu Senhor. … Ibn ‘Arabi diz que estas eram ‘luzes e estados ou estações do reino do domínio e do poder e do reino dos espíritos sutis. … Também pode ser que Adão tenha recebido de Deus gnoses (conhecimento oculto), ciências e verdades.’”
Independentemente dos detalhes, Al-Mizan afirma que este não era um simples ditado de dicionário para mostrar o poder da memória de Adão, mas sim “algo totalmente diferente do que entendemos pelo conhecimento dos nomes”.
Alusi conclui que o ditado de Adão sobre esses nomes é “no final, como dizer os nomes de Deus, pois o poder diz respeito ao próprio Deus em seu governo do mundo.”
Os nomes como um meio de ajudar no arrependimento
Passagens adicionais de fontes islâmicas conectam o conhecimento dito ter sido dado a Adão de uma forma geral a práticas relacionadas com o templo para efetivar o arrependimento e a reconciliação em outros lugares no antigo Oriente Médio.
Embora as fontes islâmicas evitem cuidadosamente qualquer referência a rituais de expiação relacionados com o templo judaico, uma função penitencial é concedida a um conhecimento de certas palavras dadas a Adão.
Ao descrever um incidente separado que foi dito ter ocorrido após a queda, escritos islâmicos recontam que “Adão recebeu (algumas) palavras de seu Senhor” que lhe permitiu se arrepender e voltar a uma boa posição com Deus, para que ele pudesse eventualmente voltar ao Jardim do Éden.
Enquanto Al-Mizan declina a especulação sobre que palavras específicas foram reveladas, também elabora-se sobre a suas funções:
“Foi esta aprendizagem das palavras que abriu o caminho para o arrependimento de Adão. … Provavelmente, as palavras recebidas no momento do arrependimento estavam relacionadas com os nomes ensinados a ele no início. … Deve ter havido algo nesses nomes para eliminar todas as injustiças, apagar todos os pecados e curar todas as doenças espirituais e morais; … esses nomes eram criações sublimes escondidas dos céus e da terra; eram intermediários para transmitir a graça e as recompensas de Alá à sua criação; e nenhuma criatura seria capaz de alcançar a sua perfeição sem a sua ajuda.”
Os nomes como conhecimento necessário para a ascensão ou ritual celestial
No Alcorão, o meio específico pelo qual estas “palavras” foram destinadas a ajudar na obtenção da perfeição de Adão é indeterminado.
No entanto, uma troca de palavras sagradas está implícita nos relatos de conversas entre Maomé e guardiões celestiais durante sua “viagem noturna” (isra), quando ele ascendeu em uma escada dourada (mi’Raj) para o céu mais alto.
Além disso, a literatura do Judaísmo místico e Gnosticismo Cristão é cheia de relatos de profetas justos e sábios que foram ensinados a passar por uma série de guardiões celestiais em direção à presença de Deus pela memorização e uso de nomes e frases sagradas.
É possível que o próprio Adão tenha recebido o seu nome como parte do episódio relatado em Moisés 3:19?
É difícil dizer porque a palavra hebraica para Adão é usada como um termo genérico para “o homem” nos primeiros capítulos de Gênesis.
No entanto, parece significativo que a última instância de nomear na história do Jardim do Éden e a Queda — onde Adão da um nome próprio permanente a Eva – ocorre na proximidade imediata com o relato de Deus fazendo casacos de pele para o casal.
Neste contexto, pode ser significativo que as tradições islâmicas associem um teste de nomear com o casamento de Adão e Eva.
Assim como o episódio relatado em 3:19 foi considerado pelos comentaristas islâmicos como um teste ao conhecimento de Adão de certos nomes como uma medida de valor para seu papel exaltado, assim também foi a história da nomeação de Eva vista exatamente da mesma forma.
Assim, o teste do conhecimento de Adão de certos nomes culminou em um exame para determinar se Adão poderia identificar Eva e recitar seu nome. Note as palavras que al-Tha’labi usa para descrever o incidente:
Quando Adão acordou do seu sono, viu a Eva sentada à sua cabeça. E os anjos perguntaram a Adão: “O que é isto, Adão?” Ele respondeu: “uma mulher.” Eles perguntaram: “e qual é o nome dela?” Ele respondeu: “Eva (hawwa).”
Al-Tha’labi especifica que, quando Adão e Eva voltaram depois da Queda “eles se reconheceram pelo questionamento no dia do interrogatório.
Assim, o lugar foi chamado Arafat (=perguntas) e o dia, ‘Irfah [= conhecimento ou reconhecimento].”
Conclusão
Se as tradições que revisam ou não a história da nomeação de Adão dos animais e de Eva para se referir a algo como práticas antigas de nomeação de templos são autênticas, os santos dos últimos dias certamente não discordam da ideia de que Adão e Eva receberam a plenitude das ordenanças salvadoras.
Na verdade, Joseph Smith ensinou explicitamente que as origens das ordenanças modernas dos templos remontam além da fundação do mundo.
Por exemplo, em 1835, como os santos se preparavam para receber as ordenanças no templo Kirtland, o Profeta afirmou:
“A ordem da casa de Deus foi e sempre será a mesma, mesmo depois que Cristo vier; e depois que terminarem os mil anos, ela será a mesma; então finalmente entraremos no Reino celestial de Deus e o desfrutaremos para sempre.”
Este artigo é uma tradução da adaptação de Jeffrey M. Bradshaw. Criação, Queda, e a História de Adão e Eva. 2014 Edição Atualizada. À imagem e semelhança de Deus 1. Salt Lake City, UT: Eborn Books, 2014. https://archive.org/details/140123IGIL12014ReadingS, pp. 177-180, 183-184.